Ontem (19) foi comemorado o Dia dos Povos Indígenas. A partir de 2022, pela Lei 14.402/22, foi definido este nome com o objetivo de contemplar a diversidade cultural dos Povos Indígenas presentes em nosso país.
A coordenadora da Comissão Universidade para os Indígenas (Cuia), Maria Christine Berdusco Menezes, comenta sobre o papel da instituição na UEM. A comissão é responsável por acompanhar o estudante desde o momento da matrícula até a formação dele."O trabalho da Cuia se faz presente em todos os momentos desde de inscrição do vestibular e durante todo o percurso acadêmico dentro da universidade, com atendimentos individuais. O trabalho é todo o acompanhamento do dia-a-dia", diz a coordenadora.
Uma das principais metas da Cuia é oferecer subsídios necessários para diminuir a evasão universitária. Menezes também é professora da área de Políticas Públicas e Gestão Educacional no Departamento de Teoria e Prática de Ensino (DTP). Ela relata que muitos estudantes vêm para a cidade, mas acabam não se adaptando e retornam para suas aldeias. Em casos como esse, o Ensino a Distância se torna uma peça fundamental para a continuação da graduação. "Se a gente não inovar em todas as ações, não combatemos a evasão. Essa é uma das metas da Cuia, conseguir todas as possibilidades para a permanência e conclusão dos cursos", disse.
Além disso, para a professora do DTP uma outra meta a ser atingida é o aumento do números de alunos indígenas na UEM. Por meio da abertura de mais vagas destinadas a eles e do aproveitamento daquelas que não estão sendo ocupadas, a Cuia, de acordo com a legislação estadual, recebe transfências solicitadas por estudantes indígenas visando que as IES públicas promovam, de todas as formas possíveis, a formação dos ingressantes.
O vestibular dos Povos Indígenas do Paraná terá a sua 22ª edição aplicada entre os dias 7 a 8 de maio deste ano e oferece vagas para o ingresso no ano letivo de 2023. A UEM é responsável por coordenar o Polo de Manoel Ribas. Atualmente, a instituição possui mais de 40 estudantes formados, apesar de ser a universidade mais distante das aldeias. “É a Estadual do Paraná que mais forma alunos indígenas”.
O casal Natã Livanh Kuitá, 23 anos de idade, da etnia Kaingang, aluno do 1º ano do curso de Agronomia na UEM, e sua esposa Nina Kareg Vergílio, 23 anos, que cursa graduação em Enfermagem também na UEM, são da Terra Indígena de Apucaraninha, localizada no município de Tamarana, norte do Paraná. Antes, eles estudaram um ano em Ponta Grossa (UEPG), e pediram transferência, em novembro de 2022, para o câmpus-sede da UEM em Maringá.
Ele diz que enfrentar a distância do seu povo de origem é um desafio difícil, já que são muito ‘apegados à família’.“O nosso deslocamento até a cidade e a nossa moradia com o custo de aluguel pesam bastante, mas o primeiro passo já foi dado para que as futuras gerações consigam ter o ensino superior”, pondera Kuitá.
A esposa dele acredita que foi um avanço cursar graduação no ensino superior gratuito que a favoreceu na sua transferência para UEM. “Agora o nosso deslocamento é um pouco mais fácil para aldeia, até porque meus familiares conseguem me visitar em Maringá. Em Ponta Grossa, o nosso custo era muito elevado para deslocamento até aldeia. Ficávamos meses sem nos comunicar com nossos familiares. Temos uma filha, de apenas 6 anos de idade. E fazer um curso integral e ter que cuidar de um filho é outro desafio grande. Meu marido me ajuda, e a gente se ajuda muito de alguma forma”, comentou Nina.
Alciléia Miriã Claro, de 24 anos, Léia, como é conhecida no meio acadêmico, da etnia Guarani Nhandewa, da Aldeia Araçaí, que fica no município de Piraquara (PR), faz curso de Enfermagem na UEM e representa a Auind UEM (Articulação dos Universitários Indígenas da UEM). Ela acredita que ser indígena nos dias atuais é algo desafiador. “Estamos em constante luta para ocupar os espaços e melhorar as condições de vida de nossas comunidades”.
A Auind foi fundada em 26 de abril de 2018 para fortalecer a autonomia, acompanhar e debater propostas em prol de melhoria do ingresso, permanência e formação dos indígenas da UEM. Com apoio da Cuia, tem oferecido suporte desde o ingresso dos estudantes indígenas na graduação até a formatura. “Sempre recebemos incentivo à autonomia das nossas questões dentro da instituição”, menciona Alciléia.
Para a indígena, o maior êxito dela atualmente é o ingresso no ensino superior, porque “mais do que ingressar na universidade, nossa maior conquista é nos mantermos e concluir a graduação, trilhar novos conhecimentos adquiridos em prol da nossa comunidade e nossos direitos”, comentou.
A acadêmica ainda apontou que, para os povos indígenas, dentro de um período de cinco séculos, apenas no ano de 1988, com a promulgação da Constituição, “deixamos de ser tutelados pelo Estado e passamos a lutar pela garantia dos nossos direitos”.
Entre as inúmeras dificuldades, como o distanciamento da família e do território, o enfrentamento de diversos preconceitos, a conciliação de maternidade e estudos, a liderança frente às questões internas da comunidade, “nós indígenas, estamos vencendo as barreiras e concluindo nossos estudos”, argumentou.
Segundo Alciléia, “a Universidade Estadual de Maringá, mesmo sendo a mais distante das terras indígenas, é a instituição que mais formou estudantes indígenas, chegando ao marco de 45 formados no ano passado 2022”.
Neste mês de comemorações, que marcam a conscientização, lutas e resistências dos povos indígenas, a futura enfermeira acrescentou que deseja “o reconhecimento e o respeito para que nossas lutas sejam vistas como legítimas na nossa comunidade"..
Para a aluna do 4o. ano de Odontologia, Elizandra Mazieli Gyre Pereira, de 27 anos, da etnia Kaingang, da Terra Indígena Rio das Cobras, no município de Nova Laranjeiras (PR), um dos maiores desafios é enfrentar a discriminação, porque sempre tem aquelas pessoas que olham diferente para você, lamentou. Ela disse ainda que outra dificuldade também encontrada durante o curso foi a Língua Portuguesa, “porque muitas palavras no português não são traduzidas para a nossa língua”. Como maior conquista, destacou ter passado no vestibular para Odontologia na UEM. "Um orgulho para mim, quanto para minha família. É muito gratificante eles verem em mim uma esperança de que eles podem conquistar os objetivos deles também”, comemorou.
A professora Isabel Cristina Rodrigues,atual Assessora Especial para Articulação das Políticas de Inclusão da UEM, que também foi membro da Cuia Estadual e presidente da mesma comissão por três gestões (2013-2015), e que ainda atua na Cuia UEM, diz que sua atuação local se concentrou nos acompanhamentos pedagógicos e sociais dos estudantes indígenas, para atender às demandas que requerem ações rápidas e pontuais. Ela acrescentou que “os desafios começam quando percebemos que precisamos conhecer, enxergar e escutar o que os povos indígenas tem a nos dizer e a nos ensinar, já que existem especificidades étnicas, linguísticas, culturais, políticas e cosmogônicas, para sabermos como esses povos atuam neste mundo”.
Na sua trajetória, a assessora relatou que, desde 1998, se interessou pelo estudo dos povos indígenas por meio da arqueologia e, na sequência, com a chegada da Lei Estadual 13.134, entendeu a importância de se conhecer também quem são os sujeitos indígenas de hoje, que exercem um papel importante nessa sociedade. “A nossa função social é pensar na efetividade dos nossos estudos e de nossas ações cotidianas para que sejam feitos a partir das demandas que eles nos trazem e que precisam ser feitas com eles. Esse é o grande aprendizado desse percurso”, argumentou.
Outras conquistas também são destacadas como importantes para os povos indígenas da UEM, que em suas falas e relatos constam “a obtenção de diplomas de graduação, apesar das batalhas e dificuldades enfrentadas durante os seus estudos e a ampliação das redes de relações sociais que os povos indígenas estabelecem com os não indígenas”.
Além da formação de mais de 40 graduados (um deles é o 1º arquiteto indígena formado no ano passado pela UEM, Fábio Sukág Santiago), a UEM também formou o primeiro mestre indígena no Paraná: Florêncio Rekayg Fernandes, da etnia Kaingang. Após ele, graduou outros dois pesquisadores da etnia Guarani: Isael Pinheiro e Jefferson Domingues. Os três mestres formados pela UEM, sob a orientação da professora Rosângela Célia Faustino, estão concluindo seus doutorados, sendo um na UEM e dois em universidades federais. O resultado dessa formação foi ampliar as ações de inclusão indígena no Paraná. Após estes mestres indígenas formados, outras IES no Paraná também iniciaram a inclusão na pós-graduação e isso trás muitos resultados em termos de inovação nas Terras Indígenas, como projetos de desenvolvimento, com inovação, elaborados pelos próprios indígenas pesquisadores”, citou Faustino.
População Kaingang: De acordo com dados publicados, por meio da Funasa em 2003, estimava-se uma população kaingang de 25 mil 875 pessoas vivendo em 32 Terras Indígenas (TIs). A maioria dos kaingangs vive nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. No entanto, verifica-se a presença de famílias vivendo nas zonas urbanas e rurais próximas às TIs. Na zona rural, a presença kaingang é notada por unidades familiares ou individual, que, pela impossibilidade (econômica ou política) de viverem nas TIs, passaram a viver como trabalhadores não qualificados em fazendas e sítios das regiões próximas às aldeias. Se computadas todas essas famílias, o contingente populacional kaingang poderá chegar a 45 mil 620 (Siasi/Sesai, 2014).
Povo Guarani: No Paraná são quatro mil pessoas, aproximadamente. O povo indígena Guarani está localizado em cinco países sul-americanos: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Não há um censo absoluto capaz de contabilizar exatamente a população Guarani na América do Sul. A estimativa do Conselho Indigenista Missionário é de que sua população seja de 225 mil pessoas.