A Universidade Estadual de Maringá (UEM) registra dois acontecimentos importantes que marcam a realização de ações positivas para a população negra do Brasil: a publicação de um artigo e a organização de um seminário sobre o processo de implantação de cotas nas Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) do Paraná. Essas conquistas vêm ao conhecimento da comunidade acadêmica na semana do 13 de maio, dia em que se comemora o advento da Lei Áurea (1888), que proibiu a escravidão no Brasil.
A população negra diz que, sim, esse é um momento em que há motivos para se comemorar. Afinal, o fim da escravidão é resultado da luta negra por liberdade, humanidade e representou juridicamente o fim do direito de propriedade sobre os corpos negros. No entanto, o fim desse regime não representou igualdade material e muito menos igualdade simbólica aos homens e mulheres negras, uma vez que a destituição do regime escravocrata não foi acompanhada por medidas de auxílio ou assistência que garantissem a subsistência, ao menos, aos recém libertos.
“A Lei Áurea, com seu módico texto normativo, não reservou nenhuma de suas poucas linhas para tratar do ‘dia seguinte’ dos, então, libertos; o que, quem sabe, os possibilitaria uma condição inicial no pós-abolição um pouco melhor”, lembra o pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-brasileiros (Neiab-UEM), o professor do Departamento de História da UEM, Delton Aparecido Felipe.
O docente participou ativamente do processo de implantação e regulamentação do Sistema de Cotas Raciais na UEM, que ocorreu no Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro de 2019, em votação na reunião plenária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEP). O processo foi aprovado por 98 conselheiros (quatro foram contrários, sete se abstiveram e 35 estavam ausentes). O resultado foi apresentado pelo reitor, Julio César Damasceno, que ficou com os olhos marejados. Os presentes no local aplaudiram a decisão de pé!
Artigo – Para registrar todo esse movimento, Delton Felipe (foto abaixo) escreveu o artigo “Cotas Para a População Negra Na Universidade Estadual de Maringá: mobilizações, implementação e desafios”, que foi publicado na Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) – ABPN. O periódico de acesso livre e gratuito, “tem o objetivo de dar visibilidade às discussões sobre relações raciais a partir da produção de pesquisadores(as) e intelectuais negros(as), bem como de outros(as) comprometidos(as) com a promoção da equidade racial e a produção de conhecimento sobre África e diásporas africanas, em escalas nacional e internacional”.
Segundo o professor Delton, “o artigo tem por objetivo apresentar as mobilizações de diferentes atores sociais na implementação das políticas de cotas para aumentar o ingresso da população negra nos cursos de graduação da UEM”, e foi escrito em parceria com a também pesquisadora do (Neiab/UEM), Lílian Amorim Carvalho, que é mestra em Ciências Sociais pela UEM e, atualmente, aluna do curso de Filosofia (foto abaixo).
O texto faz, inicialmente, uma contextualização da necessidade das cotas no cenário nacional com as normativas legais que alicerçam e subsidiam a efetivação dessa política em todo o país. A partir dos exemplos das primeiras instituições de ensino superior que adotaram as cotas raciais, na primeira década do século XXI, e com base em reportagens e publicações sobre as movimentações para efetivação desta política, “o artigo registra a história, com a catalogação das principais ações que levaram à aprovação das cotas para negros na nossa universidade, em 20 de novembro de 2019, um dia que simboliza a resistência e luta do povo negro por direitos. Por fim, abre a discussão para os caminhos a serem seguidos para o sucesso das cotas para negros na universidade, sinalizando os desafios a serem enfrentados no devir”, completa o professor.
Evento – Delton Felipe ainda anunciou a realização do I Seminário de Políticas Afirmativas para Pessoas Negras e Comissões de Heteroidentificação das Universidades Estaduais do Paraná. O objetivo do evento é discutir as experiências das cotas raciais voltadas às pessoas negras nas IEES do Paraná e quais os dispositivos utilizados para garantir que o sujeito de direito tenha acesso a esta política de ação afirmativa.
Durante o evento, que ocorrerá de 8 a 10 de junho, de forma remota, será apresentada parte da experiência das universidades e instituições de ensino públicas sobre o tema. Segundo o professor da UEM, será um momento de avaliação das ações consignadas na reserva de cotas para a população negra, isto é, pretos e pardos, instituída no âmbito das políticas que visam reduzir as desigualdades raciais no Brasil.
Participam representantes de todas as IEES do Paraná. O Seminário ainda conta com o a organização da Comissão de Heteroidentificação da UEM, em parceria com o Neiab, da Pró Reitoria de Ensino (PEN), do Núcleo de Educação a Distância (Nead/UEM) e da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC), por meio da Diretoria de Extensão (DEX).
Reflexão – Delton Felipe ainda destacou que o 13 maio representa uma abolição da escravidão inacabada. “Afinal, da forma que foi feita gerou efeitos constatáveis até os dias de hoje, principalmente, quando percebemos que, para as pessoas negras existirem, necessitam superar a desvantagem imposta pela história brasileira. É preciso que cada geração de crianças e jovens negros percorra uma distância muito maior do que a percorrida pelos outros sujeitos sociais no Brasil, o que faz com que o 13 de maio, para além de comemoração, represente um dia de reflexão sobre abolição inacabada e a luta da população negra pelo direito de existir em nosso país”, concluiu o professor.
Serviço
O artigo do professor pode ser acessado na íntegra neste link.
I Seminário de Políticas Afirmativas para Pessoas Negras e Comissões de Heteroidentificação das Universidades Estaduais do Paraná
Inscrições neste link.
Prazo: 15/5 a 7/6.