“Ações afirmativas se definem como políticas públicas voltadas à concretização dos princípios constitucional da igualdade material, a neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem. [...] Essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem”. Estas foram as palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, ao votar a favor das cotas raciais e legalizar a adoção de políticas deste tipo de ação afirmativa.
A Universidade Estadual de Maringá (UEM) comemora neste domingo (20) três anos de aprovação das cotas para negros no vestibular, juntamente com o Dia da Consciência Negra para relembrar a luta de Zumbi dos Palmares contra a escravidão e racismo no Brasil.
O professor Delton Aparecido Felipe, do Departamento de História (DHI), vice-coordenador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (Neiab), afirmou que a UEM está caminhando em direção a uma maior diversidade com a implementação destas cotas na instituição. No entanto, ainda é necessário a educação sobre a igualdade racial na UEM e a mudança de currículo para combater esta forma de preconceito, fazendo com que também as pessoas negras possam se ver nos conteúdos das disciplinas.
O professor lembra que em 2020 a UEM avançou ao aprovar o sistema de cotas raciais a partir do Vestibular de Inverno, sendo 20% das vagas destinadas a pretos e pardos. A decisão foi aprovada em votação de reunião plenária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEP). Além dos conselheiros, a reunião teve a participação de servidores, alunos e de professores não conselheiros do CEP, além da presença de profissionais da imprensa e de representantes de movimentos sociais.
Delton diz que a implementação das cotas na UEM mudou o perfil dos cursos na UEM logo nos primeiros anos. Um exemplo é o curso de Direito, onde ingressam 160 alunos por ano, em 4 turmas de 40 anos. Antes das cotas, esta graduação tinha no máximo 1 a 2 alunos negros por turma. No primeiro ano de vigência do sistema entraram 27 alunos negros, o que dá mais de 6 alunos negros por turma. Atualmente, entre os 17,2 mil estudantes matriculados nos cursos de graduação da UEM, 66% são brancos, 23% são negros (pretos ou pardos), 8% não se declararam, 5% são amarelos e 0,4% indígenas. Enquanto existem 1.400 professores ao todo na universidade, sendo cerca de apenas 9 professores negros. “Precisamos ter mais condições simbólicas, para que haja representatividade dos negros”, finalizou.
Calendário oficial
Vale a ressalva que a data sobre a comemoração foi incluída no calendário oficial do país em 2011, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei 12.519, instituindo o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Quanto a escolha da data da aprovação das cotas, foi devido ao fato de ser um dia em que se comemora o Dia da Consciência Negra, entendendo que a “presença negra na instituição é resistência. Aprovação das cotas é resultado de desdobramento de luta da população negra. Que no Brasil se expressa a partir da vida do Zumbi dos Palmares. Os negros comemoram por causa dos antepassados e vem lutando pelos direitos”, afirma o professor.
É o que diz a mestranda da pós-graduação em Educação (PPE), Catarina Messias Alves, ao relatar que mesmo não tendo ingressado por meio de cotas gostaria de ver mais representatividade nas universidades, em todos os departamentos da instituição, para enxergar pessoas parecidas com ela. Além de querer uma reestruturação curricular, com pautas antirracistas. Para Catarina, a comemoração nesta data é para reafirmar uma cultura e uma identidade, antes tida como invisível.
Eventos
Segundo Delton, os eventos sucedem com frequência para promover um constante debate sobre as questões raciais na instituição, lembrando que grupo de pesquisa é de acolhimento e de produção de conhecimento. Cita como exemplo a Semana Afro-brasileira do Neab, evento ocorrido em 3 e 4 de novembro, que contou com palestras, rodas de conversa, exibição de documentários e exposição de artes. A Semana teve como título “Somos os primeiros e não seremos os últimos”, simbolizando a trajetória dos afro-brasileiros, os primeiros da família a ter os direitos de frequentarem uma universidade como estudantes e que não serão os últimos dos seus entes queridos a prosseguirem com estes direitos e até mesmo reivindicá-los mais, como bolsa, auxílio de alimentação e cotas de permanência.
Em outras atividades ocorrem no grupo de estudo leitura de livros como “O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação”, escrito por Nilma Lino Gomes. As pessoas do Núcleo estão ativas nas redes sociais com o endereço @neiabuem. Por isto, sentem que estão constantemente comemorando o Dia da Consciência Negra e o Dia do Zumbi.
Para que serve o Dia da Consciência Negra?
A data celebrativa diz respeito aos negros reivindicarem que seus direitos sejam respeitados, uma luta de seus antepassados, e que novas conquistas ocorram. A comemoração também remete à relevância de que as raízes, enfim, a história dos negros, de sua cultura, possam ter representatividade na sociedade de maneira igualitária. E, consequentemente, conscientizar o quanto e como sofrem e sofreram violência com o decorrer do tempo. Violência, esta que vai desde racismo explícito ao racismo estrutural típico da sociedade contemporânea.
A luta é para que essa tomada de consciência se faça entre as pessoas brancas, de maneira que elas passem a enxergarem os privilégios que possuem, permitindo que mudem a forma de agir perante situações de injustiça e, claro, transformar suas ações para que atitudes racistas não sejam reproduzidas.